pequena carta para ser aberta em uma tarde do futuro
agora você pode ter certeza: não volta. o beijo não dado
não tem mais sentido. o abraço guardado não tem mais motivo. o
palavrão engolido não quer dizer mais nada. não volta, você cansou de
ouvir, mas só agora pode ter certeza. a chuva nunca mais fez o mesmo
desenho no vidro. o mar nunca mais a mesma pose para a fotografia. sua música preferida só tocou no momento certo naquele dia. o poema
deixado para depois, hoje, não vale mais nada. há rimas que mofam. que perdem o
significado. consegue entender? agora, acredita? não era autoajuda
barata. previsão de cigana mentirosa. horóscopo de jornal vagabundo. conselho de velho morrendo. carta falsa de tarô. não volta. mesmo. e espero que na cópia desta mesma carta a ser aberta, novamente, daqui
a dez anos, seja menor o arrependimento. estão lacrados os próximos
envelopes. lambidos. selados. trancados, mas eu já aviso: dentro deles, o mesmo
texto. não volta - tatue no braço. grude post-its. escreva com carvão
pelas paredes. com as unhas compridas arranhando a terra: histórias de verdade não se rebobinam.
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