30.4.10

as mulheres que carregam ramalhetes mortos


minhas palavras, entenda, não são carícias. beijos de leve de um lado do rosto. o enrolar de cabelos nas pontas dos dedos. abraços sobre um banco em tardes de outono. minhas palavras, peço que entenda, são bofetadas. socos. cuspes. levam veneno no lugar de sangue. canivetes nos bolsos em vez de lenços. engolem comprimidos, de madrugada. vomitam sobre o chão do banheiro. preferem o grito no lugar do sussurro. a blasfêmia e o insulto em vez da oração. minhas palavras são loucas de camisolas. velhas despenteadas. meninas de tranças desfeitas. bonecas sem cabeça. mulheres carregando ramalhetes mortos. sobrevivem no escuro como insetos. se reproduzem no mofo como fungos. se disfarçam de flores delicadas, mas devoram seus dedos como plantas carnívoras. são daninhas. amanhecem como céu azul, mas terminam o dia como tempestades. minhas palavras, pela última vez entenda, têm as pontas afiadas. o desejo do corte. não escrevo para fazer afagos.