24.4.08

armadilha


se você não percebeu que os dois lados se juntavam, aos poucos, todos os dias, por que saiu antes? por que me disse que este era o nosso refúgio, sabendo que ele se tranformava a cada minuto? sabendo que um dia ele se fecharia, por completo. armadilha. por que prometeu ficar por perto se, no final, acabou me deixando ser engolido? sozinho. morto pelo que era flor e virou planta carnívora.

15.4.08

da gaveta para a piscina


há coisas desta gaveta que vão parar em outros lugares. alguns deles curiosos, como o fundo de uma piscina. pioneira da dança contemporânea no recife, a cia. dos homens estreou, na última semana, o espetáculo "palavra úmida". a montagem leva para dentro de uma piscina seis bailarinos, desenvolvendo suas coreografias na água, tema central do espetáculo. um trecho da matéria da folha de pernambuco explica o que esta gaveta tem a ver com a história: "a montagem conta com projeção de imagens captadas pelo videasta gaúcho e efeitos especiais idealizados por murilo malta, também responsável pela cenografia. o teatrólogo joão denys emprestou sua voz para narrar o poema "na água", do escritor paulista eduardo baszczyn. a trilha sonora é predominantemente instrumental. destaque para uma canção especialmente concebida para a abertura do espetáculo, criação do músico pernambucano mário lobo e para edson cordeiro, que assina a única música cantada".


na água

eu piso no que sobrou do choro.
eu piso no que sobrou da chuva. enfio meus pés no suor que escorreu do meu corpo. na água que nasceu pura. na sujeira saída do banho. eu piso no caldo. na mistura. é nela que me fortaleço. na água que entra pelos vãos dos meus dedos. na que sobe até a cintura. é nela que eu me inundo. com ela que eu cresço. como raiz que se alimenta do que está no vaso, absorvo de volta o que transbordei. lágrimas de amores errados. saliva caída de beijos. suor escorrido pelas costas. medos que transpirei. eu piso no que já foi tempestade e agora é poça. na água que já foi benta e agora é profana. eu piso no que já foi batismo e agora é pecado. no transparente que agora é opaco. é na mistura que me fortaleço. eu piso. sugo. engulo. tomo de volta o que já foi meu. o que veio com a chuva. o que a corrente não levou. o que ainda não secou. eu me encho. me derramo. eu piso na água pra poder mudar com a lua. balançar como onda. acompanhar a maré. eu piso na água pra poder voltar para o lugar de onde fui expulso. pro úmido. silêncio escuro do útero. eu piso na água pra renascer.

8.4.08

bolas coloridas


mas um dia, você pode ter certeza, o desequilíbrio irá atrapalhar essa sua destreza. interromper suas acrobacias. seus truques. manobras. um dia, esse seu número chegará ao fim, de repente. espetáculo encerrado, de uma hora para outra, pelas bolas coloridas espalhadas pelo chão. um dia, enquanto estiver recolhendo uma por uma, entre tantas vaias, você irá se arrepender. jurar nunca mais fazer malabarismos por tanto tempo com os sentimentos de quem já o aplaudiu.

2.4.08

clarice


"escrevo por não ter nada a fazer no mundo: sobrei e não ha lugar para mim na terra dos homens. escrevo porque sou um desesperado e estou cansado, não suporto mais a rotina de me ser e se não fosse a sempre novidade que é escrever, eu me morreria simbolicamente todos os dias. mas preparado estou para sair discretamente pela saída da porta dos fundos."

1.4.08

sessão da tarde



"quem vai pensar em você quando eu estiver morta?"

[o passado, hector babenco]