25.5.07

oceano


por que me olhar de longe, se você pode se aproximar? dar mais alguns passos. andar mais alguns metros até mais perto. por que ficar na margem, se você pode arrancar seus sapatos apertados e pisar na primeira onda? sentir o frio nas canelas. nos joelhos. na cintura. por que ficar distante, me enxergando apenas todo azul, calmo, perfeito, se você deveria saber que, no fundo, minha água é suja. grossa. mal cheirosa. que o meu sal, aos poucos, estraga. mancha. corrói. por que me olhar de longe, se você poderia mergulhar? descobrir de uma vez por todas que, de perto, eu sou outro.

24.5.07

você já tem o seu?


o título, desamores, já evidencia a atmosfera do romance de estréia de eduardo baszczyn. jornalista, já mostrava intimidade com a literatura através de contos em antologias e páginas da internet. com o novo lançamento, baszczyn se posicionou entre os finalistas do prêmio sesc de literatura. a "delicadeza e o despojamento do estilo", segundo as palavras do poeta gaúcho fabrício carpinejar, garantem a atenção do leitor em uma trama que aborda com intensidade a fragilidade das relações contemporâneas. com diálogos ágeis, personagens que se confundem com nós mesmos, e com um estilo enxuto e direto, o autor torna palpáveis as desilusões e encantamentos de um relacionamento amoroso fadado ao vazio. entre histórias de paixões e desenganos que ilustram o dia-a-dia das grandes cidades, baszczyn destrincha as várias facetas de seus personagens, que parecem se cruzar e guardar semelhanças de caráter - ou a falta dele. "a primeira personagem troca de estado emotivo e paranóico com a segunda, que é influenciada pela terceira, que desconfia da quarta, como se houvesse uma transfusão de caráter", diz carpinejar. o cenário, apropriado, é a cinzenta cidade de são paulo, que emoldura com precisão as eternas imperfeições dos amores atuais. sem cair no piegas, o escritor explora o assunto com a contemporaneidade que ele exige.

[do site do jornalista sidney rezende]

18.5.07

cura


doeu. doeu como corte no dedo e álcool depois. como caco no pé e alguns passos pra frente. como espinho, sem querer, na tentação de arrancar a flor. doeu como lábio mordido por dentro. como dedo batido na quina. como soco no estômago. puxão de cabelo. como queda de escada. arranhão. pancada. doeu como fratura exposta. inflamação. como gelado descendo na dor de garganta. doeu como tapa de mãe quando se é pequeno. como soco na cara. mão na tomada. parto natural. doeu muito mais do que você imaginava. e eu não encontro remédio nenhum que cure esse tipo de dor.

12.5.07

amor


há tanto tempo não usado, encontrei o amor, sem querer. ontem. jogado debaixo da cama. empoeirado. sem caixa, bula, manual. um amor, assim, abandonado. sujo. rasgado. fóssil soterrado. navio afundado há anos. casarão com tábuas pregadas nas janelas. lençóis brancos sobre os móveis. um amor acostumado com o escuro. com o frio do quarto fechado. com a passagem rápida de um inseto no meio da madrugada. um velho amor largado. pronto pra ser reciclado. procurado por toda casa nos lugares errados. nos armários limpos. entre taças. louças. dentro de caixas fechadas com laços. sob tapetes varridos. cantos desinfetados. um amor chamado no grito. no gemido da febre. no cochicho da oração. um amor sumido. necessitado. um amor que apareceu quando quis. de repente. em um lugar inesperado. há tanto tempo não usado, eu, ontem, tropecei no amor. empoeirado. sujo. rasgado. abandonado debaixo da cama. um amor que talvez nem funcione mais.

1.5.07

maio


maio. e o que o deveria estar seco se fortalece com a água que transborda o vaso. e o que deveria estar retorcido e morto, sobre a calçada, fazendo barulho sob os sapatos apressados, desobedece. e cresce. verde. folhas que se alimentam com a água que não pára. é maio e chove como dezembro. é tarde e choro como criança. engulo, mais uma vez, o grito pra não incomodar os vizinhos. e me engasgo. e me encolho. e me dobro. feto. há uma semana, a porta batida. as paredes rachadas. a casa estremecida. há uma semana, o anjo de vidro, caído da beira da estante. e eu desprotegido. ainda encontrando cacos. os pedaços espalhados pelo apartamento. sobre os tapetes. atrás dos móveis. nos vãos dos tacos de madeira. uma semana e eu ainda me corto, sabendo que não deveria andar descalço. ainda me machuco, sabendo como poderia evitar a dor do talho. o sangue das pegadas vermelhas, que se multiplicam pelo chão do quarto. e eu teimo. ando em círculos. e não há mais espaço para cacos nas solas dos pés. uma semana e eu mais sozinho. maio. e o que deveria estar fortalecido seca. apodrece e se retorce. morre. é maio e chove como dezembro. morro. é tarde e eu só queria um buraco aberto sobre a cama. um pouco dessa água, que não pára, pra me regar.